sábado, 4 de fevereiro de 2012

Uma Arma Anacrónica



Alguém que frequente os transportes públicos poderá notar que, em geral, nada há de fundamentalmente novo na relação individual com o transporte, que o mesmo permanece prestado por empresas e assegurado por trabalhadores, que os cidadãos e os utentes (com incremento progressivo do segundo grupo) suportam os seus custos de funcionamento, que a economia sem estes não se desenvolve, que, portanto, a privação temporária dos meios de transporte colectivos pode ser arma útil para quem quer fazer valer os seus intentos, sejam estes quais forem. Terão ocorrido, em repetição e seguindo padrões normalizados, altercações entre passageiros, provocações a grevistas e aos que as furam, longas esperas, caminhadas e faltas injustificadas ao trabalho, representando no conjunto algo que até o mais néscio discerne como "consequências da greve", identificando facilmente as causas e um rol de efeitos.

O reconhecimento deste nexo causal de índole popular, das reacções que gera - variando quanto à intensidade entre a indiferença e a irritação - e dos motivos imediatos que lhe parecem adstritos - assentes no boçal mas honesto polinómio "a culpa é dos governantes", "eles não querem trabalhar", "os funcionários públicos são privilegiados" - deveria bastar para que o todo do movimento sindical e, principalmente, as estruturas partidárias que o sustentam e agregam, revissem seriamente a sua praxis, se ainda têm algum amor aos efeitos da acção política e social. A acção sindical padece hoje, ao nível do indivíduo, de um problema de percepção: o desacordo entre o objecto teórico da mais extrema acção sindical e a percepção final do objecto é evidente e tremendo, gerando a desconfiança nos sujeitos que a percepcionam. Também no plano colectivo a greve, enquanto acção, é plenamente ineficaz, mas em boa parte devido à compressão que esta sofre por via da superabundância da disconexa informação contemporânea: qualquer acto radical colectivo, hoje como sempre, tem de ocupar todo o espaço disponível e criar novo espaço onde ele não existe.

A greve, encarada a priori, conserva uma relação adequada entre causa e efeito; contudo, assim que é posta em prática, as suas causas e efeitos torcem-se o suficiente para que a maioria, inteligente e inconscientemente, a conceba como ineficaz, anacrónica e até contraproducente. E não há praxis que deva subsistir por comiseração ou saudosismo.

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