quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Provincianismo





É preciso dois cineastas portugueses vencerem três prémios no festival de cinema europeu (quero crer que o espanto nada tem que ver com o facto do prémio ser entregue na cidade que hoje representa, para todos os efeitos, o "poder estrangeiro") para a comunicação social subitamente acordar para a "grande qualidade" do cinema português, para uma horda de recém-chegados indefectíveis tecer loas ao cinema luso, à sua capacidade de sobrevivência em momentos tão difíceis para a nação, para ouvirmos defesas apaixonadas da cinematografia como sector exportável (veja-se até onde vai o desespero pela solução desta crise, de modo a que não se perturbe o statu quo). Se dúvidas houvesse quanto à desesperança e pequenez do ser hoje Português, dificilmente não seriam desfeitas pela insofismável necessidade que os portugueses - provincianos na Europa - têm de aprovação estrangeira, em todos os assuntos da vida pública e em tantos da vida privada. Nós não precisamos individualmente desse carimbo - precisamos dele enquanto colectivo, como de água para beber. É esse, cada vez mais, e aliado a uma nostalgia bacoca, o orgulho de ser Português. Apetece-me fazer como João César Monteiro, mas o meu nervo é demasiado temperado para esticar o dedo médio ao jornalismo larvar e à portugalidade humilde, demasiado humilde.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Keine politische Macht



Alcançado o acordo na Grécia, que garantirá a temporalmente indefinida sujeição grega, o ministro das Finanças alemão assegura ao seu homónimo Português a "preparação" germânica para um segundo "reajustamento": uma negociação que, invariavelmente, consistirá no definhamento (ou declínio, como diria Schulz) económico, no embrutecimento colectivo, na transferência maciça de riqueza, na quase inviabilidade portuguesa. Vítor Gaspar, diligente por instinto, agradece; Schäuble prossegue, movendo o eixo da curta conversa para a política interna alemã - a única, aliás, que importa neste momento das nossas vidas -, invocando os problemas de legitimação que a liderança política alemã enfrenta; de seguida Gaspar, curiosamente com um débito de palavras por minuto superior ao que pratica na língua mãe, afirma, assertivo, que Portugal tem feito progressos substanciais, e que naquele dia é necessário trabalhar.

Num minuto apenas emerge o futuro português de médio-prazo, a farsa democrática que protagonizamos, e a ambiguidade anti-identitária contemporânea, objectivadas respectivamente na aceitação de um segundo programa de empréstimo internacional, austeridade acrescida e provável começo de incumprimento organizado; na permanência tranquila de um governo que assenta o seu discurso na rejeição determinada, sufragada pelos portugueses, da renegociação do dito programa, enquanto que o seu mais relevante oficial não enjeita a possibilidade; na coexistência amena da sujeição ao poder financeiro exterior, do cantar da portugalidade, do pragmatismo de quem faz o melhor que pode, do idealismo de quem confia na possibilidade e nos méritos da transformação da sociedade portuguesa numa perfeita economia liberal (nem ordo nem ultra, simplesmente virada para os mercados) e na futura recompensa reflexa dos mercados, enfim, na ingenuidade, na esterilidade, na modorra e na debilidade.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Sinais

"Há uma ordem financeira que movimenta muitas vezes mais capital que aquele que corresponde à produção de bens e serviços. Neste quadro, o keynesianismo já não funciona, não pode funcionar a nível nacional, e a nível global não tem interlocutores como os sindicatos. Tudo aquilo que representava a velha lógica fordista da produção não pode existir numa relação globalizada. Qual é a regra pela qual o capitalismo financeiro deseja desenvolver-se? Vivemos o risco de ver desencadear uma guerra. Nestas condições, em que não há uma saída objectiva para a crise, a guerra tornou-se uma possibilidade."

Antonio Negri

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

E a esquerda?

Sejamos francos. Há uma única razão para Pedro Passos Coelho se manter no poder. Agora que vemos finalmente um discurso cada vez mais unânime de que o caminho da austeridade pior do que levar a mau porto não leva a porto algum, esperaríamos talvez mais confluência da oposição ou mais actividade na rua. Nem uma nem outra. E a razão é a ausência de alternativa. A critíca ao modelo está feita há muito e, por termos visto o fundo do poço, não há argumento que valide a continuação desta politica. Mas nada de novo se avizinha. O Partido Socialista (sobre)vive entre um líder que todos - até o próprio - sabem ser a termo e as cinzas dos erros do seu antecessor. Pior que isso, sem uma visão do líder que se segue. O Bloco de Esquerda continua a seguir a trama da sua divisão e de 3 anos de más opções politicas onde tudo correu mal, e cujas sequelas não são ainda previsíveis. E o Partido Comunista, hermeticamente, continua a preferir o reduto dos seus votos invioláveis à agregação identitária da esquerda portuguesa. Não esperava nada de diferente desta aliança liberal oportunista que governa o país. Mas ninguém na esquerda portuguesa sai incólume de ver o país ser destroçado e vendido.

De acordo com Vasco Graça Moura

O bom senso, finalmente o bom senso. Há uma diferença entre ter uma carreira politica e ser politico de carreira. No meio da confusão, a voz grave de Vasco Graça Moura.

Areia para os olhos

Por enquanto na Grécia discute-se de quanto será a nova ajuda externa e quanto terão de ceder os gregos por isso. Por cá tenta ignorar-se o óbvio. Já todos se aperceberam que a politica de austeridade gera apenas mais auteridade. Uns por inépcia, outros por crença. Devemos preocupar-nos mais com os segundos, que finalmente deixaram de estar camuflados. Os lobos deixaram de vestir pele de cordeiro e andam à solta. A vender património público a preço de saldo. Quando tudo isto acabar dir-nos-ão que nada mais podia ter sido feito, que demos o nosso melhor, que tudo era inevitável. E estaremos mais pobres, como cidadãos e como país. Desmantelada a rede de serviços que tinhamos como prioritários - a água, a energia, a saúde - restar-nos-à pagar por tudo o que consideramos essencial sem termos, em boa verdade, lucrado nada com isso. E fazem-no pacatamente, assumidamente, envoltos por um discurso de inevitabilidade que ecoa em todas as bocas - as mesmas de há 30 anos para cá. O que devíamos discutir em relação à Grécia - como em relação a Portugal - era não em quanto estamos dispostos a ajudar mas como utilizar essa ajuda. A politica de austeridade, como anunciado, tem criado mais desemprego, menos riqueza e mais desigualdade.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Uma Arma Anacrónica



Alguém que frequente os transportes públicos poderá notar que, em geral, nada há de fundamentalmente novo na relação individual com o transporte, que o mesmo permanece prestado por empresas e assegurado por trabalhadores, que os cidadãos e os utentes (com incremento progressivo do segundo grupo) suportam os seus custos de funcionamento, que a economia sem estes não se desenvolve, que, portanto, a privação temporária dos meios de transporte colectivos pode ser arma útil para quem quer fazer valer os seus intentos, sejam estes quais forem. Terão ocorrido, em repetição e seguindo padrões normalizados, altercações entre passageiros, provocações a grevistas e aos que as furam, longas esperas, caminhadas e faltas injustificadas ao trabalho, representando no conjunto algo que até o mais néscio discerne como "consequências da greve", identificando facilmente as causas e um rol de efeitos.

O reconhecimento deste nexo causal de índole popular, das reacções que gera - variando quanto à intensidade entre a indiferença e a irritação - e dos motivos imediatos que lhe parecem adstritos - assentes no boçal mas honesto polinómio "a culpa é dos governantes", "eles não querem trabalhar", "os funcionários públicos são privilegiados" - deveria bastar para que o todo do movimento sindical e, principalmente, as estruturas partidárias que o sustentam e agregam, revissem seriamente a sua praxis, se ainda têm algum amor aos efeitos da acção política e social. A acção sindical padece hoje, ao nível do indivíduo, de um problema de percepção: o desacordo entre o objecto teórico da mais extrema acção sindical e a percepção final do objecto é evidente e tremendo, gerando a desconfiança nos sujeitos que a percepcionam. Também no plano colectivo a greve, enquanto acção, é plenamente ineficaz, mas em boa parte devido à compressão que esta sofre por via da superabundância da disconexa informação contemporânea: qualquer acto radical colectivo, hoje como sempre, tem de ocupar todo o espaço disponível e criar novo espaço onde ele não existe.

A greve, encarada a priori, conserva uma relação adequada entre causa e efeito; contudo, assim que é posta em prática, as suas causas e efeitos torcem-se o suficiente para que a maioria, inteligente e inconscientemente, a conceba como ineficaz, anacrónica e até contraproducente. E não há praxis que deva subsistir por comiseração ou saudosismo.