terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Os Problemas da Zona Euro

Mesmo sabendo que são sempre perigosos, pois ocultam sempre mais do que revelam, e ainda que possam não corroborar completamente as suas afirmações, os gráficos simples que Krugman publica colocam em causa, sem fanfarra, meia dúzia de mitos da economia política actual.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Notas sobre um acordo (3)

Na fase do ciclo económico em que nos encontramos, com a economia portuguesa a trabalhar abaixo do seu potencial (isto é, com recursos de capital e trabalho não utilizados) mas ainda em processo de diminuição do seu produto, em que as totalidade das empresas portuguesas tem de suportar custos de capital crescentes, conservando apenas as de maior dimensão alguma capacidade de investimento quer pela movimentação de reservas ou lucros, quer pelo financiamento bancário, dificilmente se pode esperar que a diminuição dos custos de trabalho e alguma flexibilização do despedimento possa resultar no aumento global do emprego. Mesmo admitindo movimentos contrários em algumas empresas e sectores, é bastante razoável admitir que a economia portuguesa, como um todo, aproveitará para reequilibrar os custos com trabalho e capital de forma a que se mantenha a o processo de diminuição do nível do segundo factor.


Como a diminuição da despesa acontece simultaneamente nos sectores público e privado, e o governo não pode financiar directamente a economia a um custo inferior ao praticado pelo sector privado, as alterações ao código laboral apresentam apenas um mérito prático: permitir que, no curto prazo e ao nível da empresa, se equilibrem temporiamente as contas pelo corte nas despesas com o factor trabalho.


Neste cenário, só o investimento directo estrangeiro (ou, teoricamente, a diminuição do salário mínimo) pode contribuir para o aumento do emprego. Conceber, contudo, que Portugal está em condições de atrair esse investimento, tendo em conta que baixando o peso dos salários nos tornamos cada vez mais apetecíveis para os sectores intensivos em trabalho, dos quais a nossa economia se deveria ter afastado e com os quais já não podemos competir, é nada mais que uma crença fundada num tosco dogma.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Notas sobre um acordo (2)

Analisando em detalhe as alterações propostas, bem se vê que, de forma directa ou indirecta, todo o acordo consiste na diminuição da remuneração ao factor trabalho: o programa político-económico da economia capitalista ocidental das últimas décadas. Desde a década de 80 que a remuneração a este factor tem decrescido, e a remuneração ao factor capital aumentado; este acordo apenas segue uma tendência que, pela sua dimensão, dificilmente pode ser desafiada a nível local. O acordo é simultaneamente um desastre do ponto de vista da retribuição ao trabalho, e uma inevitabilidade que resulta das condições estruturais sobre as quais assenta a economia moderna, com elevada mobilidade do capital e baixa mobilidade do trabalho.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Notas sobre um acordo (1)

O acordo de concertação social alcançado assemelha-se àqueles acordos de capitulação, em que a parte derrotada reconhece uma série de perdas e concessões em contrapartida do direito à existência. A possibilidade de permanecer no seu posto, apesar do despedimento facilitado, cresce em razão do aumento da competitividade da economia e do investimento externo que a diminuição dos custos do trabalho permite. Daí os seus promotores frisarem tão abundantemente a ideia de que os trabalhadores também ganham porque "mantêm o direito ao trabalho".

domingo, 15 de janeiro de 2012

O assalto à saúde

"So for those who wish to destroy the European model of the welfare state, the structural weakness of social welfare in the United States offer an attractive model. First, create an identifiable group of underserving poor. Second, create a system in which the rich see little benefit flowing back to them from their taxes. Third, diminish the role of trade unions, portraying them as pursuing the narrow interests of their members rather than, as is actually the case, recognising that high rates of trade union membership have historically benefited the general population"

Martin McKee e David Stuckler, no British Medical Journal.

Portugal e a União (2)

Não há acção política possível que não tenha o seu contrário, a inacção, sempre representada como acto político consumado; não há, portanto, vazio ou omissão de cariz político que se possa tomar como acidental ou negligente. Saber se a inacção incorpora uma teoria política é assunto diverso, mas dificilmente um observador atento e crítico se pode permitir esquecer que uma ausência é, enfim, um movimento mais no sentido do laissez-faire.

A simetria entre uma acção e sua negação é, em Política, um simulacro da oposição entre A e não-A, que na sua impura forma lógica assume afinal a oposição entre A e B. Por outras palavras, por via do universalizante, a inacção política não é a negação de uma acção, mas uma outra, nova e incompatível.

Daqui ser-nos-ia lícito partir para a releitura de uma volumosa quantidade de argumentação política usada nos mais variados campos, mas um exemplo basta para mostrar os efeitos possíveis, sobre a dialética política, desta reconfiguração: o debate quanto à tomada de posição do Estado Português no âmbito da transformação europeia em curso.

Do lado da acção, alguns defendem que Portugal deve, na medida das suas possibilidades, procurar aliados no seio da União Europeia que com ele partilhem certas características - no plano económico perspectivas de medíocre crescimento económico, problemas de solvência; no político, a sujeição a interferência externa; no geográfico, a localização periférica - e estejam de acordo quanto a um número razoável de objectivos, incluindo certamente aqueles relacionados com as características que os tornam tão semelhantes, mas também o desejo de impedir uma Europa definida pelo eixo franco-alemão. Do lado "oposto", afirmam outros que Portugal não deve estabelecer sequer esse tipo de afinidades, pois isso compromete o caminho sacrificial que Portugal aceitou fazer, põe em causa o alcançar das metas impostas, e não tem reais possibilidades práticas de sucesso.

Excluindo, para simplificação, a vital discussão quanto ao fundamento de todos os argumentos envolvidos, sobra-nos o esqueleto da hipotética acção política: agir ou não agir. Ora, retomando o motivo inicial, a assunção de uma política omissa no que respeita à questão da aliança com outros estados-membro volve-se acção deliberada de nada fazer, movimento positivo de continuar um percurso individual no meio de uma crise sistémica. Neste caso como em tantos outros, a subtil recolocação dos termos em que se traduz a liberdade de acção traz consigo outros modos de julgar, quanto à virtude, qualquer das opções tomadas. É que se agir é ingénuo e inútil, e não agir é sensato e pragmático, agir solitariamente é gesto contínuo de autoflagelação.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Mérito e Mercado

A retórica liberal, concretamente na sua ligação com a ascensão meritocrática, está como nunca disseminada por toda a parte onde se podia infiltrar; contudo, não há paradigma meritocrático que não seja o espelho das condições estruturais, mormente de dimensão, do sistema que habita. No caso português, a retórica do "elevador social", charneira do pensamento social-democrata, depende quase directamente da implantação desse paradigma, da sua extensão e completude. E paradoxalmente, podendo-se afirmar que não há verdadeiramente cultura meritocrática em Portugal, que se possa dizer transversal e universal, ela ainda assim subsiste melhor nas posições intermédias da nossa economia, onde os mecanismos de mercado de facto funcionam e a selecção parece lhes obedecer, enquanto que, nas elites que tanto a apregoam, a rotação de nomes e cargos acontece em pequenos círculos de poder, na ausência plena de qualquer mecânica de procura e oferta. A retórica meritocrática que certas elites liberais ensinam só se aplica nos subúrbios do seu meio, e não no seu centro.

A meritocracia não tem condições de existência universal no pequeno mundo Português: a mão invisível de Smith, em círculos restritos de poucas pessoas, torna-se na extremidade de um corpo visível, de uma pessoa por todos os membros conhecida.