sexta-feira, 30 de março de 2012

Vontade de Obedecer

A Dama de Ferro é um filme insidiosamente político, porque se insinua apolítico e personalístico - o objectos aparentes são a menina, a adolescente, a mulher, a líder, a demente -, sujeitando décadas de política britânica e mundial a mera função de muleta da definição da aura e carácter especiais da Sra. Thatcher. É político porque, tratando a História como um adereço, elimina da compreensão do espectador as noções de evolução e processo históricos, dando cabo dos termos de ligação entre Política, Economia e História - como se estes não estivessem permanentemente entrelaçados. No filme, vemos um líder político tomar decisões sempre contra uma sociedade organicamente imóvel e plana, agindo e reagindo de modo automático, como que por reflexo, dando assim ares de novidade, originalidade e racionalidade às políticas thatcherianas, porque realizadas sob o acosso da algazarra popular e social.

É ainda uma peça singularmente dedicada ao culto do líder, da figura providencial, da força de vontade, do carácter, do carisma, da frugalidade, de uma maneira própria dos regimes utópicos que degeneraram em servilismo e na santificação de líderes "democráticos". Este tratamento, aliado à construção de uma personagem tão interessada em ideias e argumentos, e não em sentimentos (como em certo diálogo se afirma), mas que, ao longo do pobre argumento, é incapaz de sustentar uma posição numa base crítica bem fundamentada, fazendo valer a força das suas posições através de manifestações de autoridade, de resiliência e sacrifício, deveria bastar para que qualquer admirador sério da Sra Thatcher sentisse repulsa intelectual por este filme. Mas não chega: Se há no liberalismo uma certa vontade de desobedecer, no conservadorismo a vontade de obedecer é talvez ainda mais forte.