quinta-feira, 30 de junho de 2011

Para bom entendedor

A ver se nos entendemos. Há varios motivos para querer privatizar a EDP.

Primeiro, se entendermos que a área da energia não é uma área essencial e de interesse público. Mas qualquer um percebe como é impossível hoje viver sem electricidade, como esta se tornou, na sociedade contemporânea, num bem tão essencial como a àgua no quotidiano da população. Daí ser papel do estado garantir que essa mesma população tenha acesso a este bem - que podemos considerar de primeira necessidade - e a um preço de mercado justo que permita o seu acesso pela totalidade da população.

Segundo, se entendermos que o mercado livre e competitivo, na àrea em questão, funciona na medida em que fornece este mesmo serviço a um preço justo. Mas não. Aos araútos do liberalismo que defendem que, com a privatização da EDP, a competitividade de mercado se encarregaria de baixar o preço de custo para o utente, é imperioso contrapôr com a racionalidade (a de que não podemos perder o principal mecanismo do estado de regular a exploração de um mercado para o qual não há alternativa) e com a experiência (a das gasolineiras, onde o mercado competitivo de um bem essencial e sem alternativa levou à concertação de preços e à exploração do comprador que, logicamente, não pode sobreviver laboralmente sem gasolina).

Mas há, hoje, uma nova justificação para a privatização. A necessidade de dinheiro e a urgência de acabar com as dívidas. Há, neste campo, o pequeno senão de a EDP, sistematicamente, dar lucro.

A ver se nos entendemos. Temos um empresa pública, sistematicamente lucrativa, que fornece um serviço essencial, de primeira necessidade e sem alternativas, já a um preço de custo bastante acima do seu valor real, mas que mantém a capacidade de evitar o abuso explorativo da cobrança de energia. E queremos privatizá-la porquê?

O começo

A justificação será conhecida, o debate será tanto que a poeira afastará a maioria de ter uma opinião concreta e, não duvido, os comentadores televisivos - sempre no seu bastante alargado espectro politico - concordarão com a inevitabilidade da medida. Mas as contas são simples. Uma pessoa cujo rendimento mensal seja de €500, passa a receber de subsídio de natal €250. Esta é a fatia da população que já não utiliza, há anos, este subsídio para cômpor os presentes na àrvore, mas para conseguir equilibrar as contas ao fim do ano. Não nos enganemos, eles disseram ao que vinham.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Por uma visão não economicista da saúde (ou o problema de Paulo Macedo) - I

Há algo de ingrato em comentar um ministro antes do seu trabalho ser notório - para o ministro, bem entendido, porque para quem comenta é habitual, fácil e dá geralmente bom resultado porque não pode ser contraposto. Posta a autocrítica, há escolhas que não devem passar impunes, pelo que representam, quer como símbolo quer como risco - e se um vôo em económica pode ser um bom sinal, um ministro mal escolhido certamente também o pode. Os problemas com Paulo Macedo são de várias ordens. Do pessoal para o simbólico. Do bastonário da ordem dos médicos já se conhece a posição de que esperava um médico. Corporativismos à parte, a diferença entre a escolha real e a hipotética é de grande importância. Naquele recai aquilo que entendemos como SNS. A escolha de Paulo Macedo é a negação do que deve ser um serviço de saúde e o contraponto a como este deve funcionar.
Primeiro ponto: não há, neste momento, nem uma pessoa a trabalhar para o SNS que não se depare com restrições, preocupações (pessoais e impostas) e burocracias economicistas cujo único propósito é o de poupar/evitar gastos excessivos. Segundo ponto: todas essas pessoas, apesar de verem o seu trabalho afectado, concordam com isso. Porque encontram desperdício no recurso que proporcionam, porque entendem a situação particular que vivemos e, à sua forma, percebem a contribuição que lhes é esperada. A de reduzir o desperdício na saúde e incentivar a boa prática médica com o mínimo gasto possível. Terceiro ponto, e talvez o mais importante: a saúde, pelo menos como a entende o SNS e as pessoas que nele trabalham, não serve, nunca serviu e nunca deverá servir para dar lucro. Que se reduza o desperdício e corte no excesso não é senão um princípio básico do bom-senso e da boa prática médica. Mas que fique bem claro: o SNS serve para gastar dinheiro. E dinheiro bem gasto. Muito resumidamente porque, como sociedade, entendemos que o assegurar de um recurso de saúde à população é dos elementos mais primários que deve constituir essa mesma sociedade. A saúde universal tendencialmente gratuita para todos não é um luxo ou um desperdício, mas um bem essencial e primário.
O problema da escolha de Paulo Macedo é a inversão da preocupação primária do doente para o custo do tratamento do doente. A escolha vem com o seu currículo (entre outros aspectos que o mesmo currículo, infelizmente traz - ou não traz). Tudo parece fácil de argumentar entre meios não técnicos ou com o espalhafato televisivo - quer seja numa curta notícia de 4o segundos ou num debate televisivo entre politicos. Mas quando o imperativo recair, como já recai, sobre a escolha do médico, é a sua principal preocupação que deve estar bem focada. Porque aceitar realizar um exame mais barato em troca de um mais caro (mesmo que o mais caro seja o mais indicado) ou aceitar que para o mesmo tempo de consulta sejam inseridos mais doentes (mesmo que o tempo por doente diminua e, consequentemente, também a capacidade de o avaliar) são números que assentam bem num relatório mas não com o melhor tratamento do doente.
É por isto que é importante que as coisas sejam chamadas pelos nomes. Às pessoas para quem trabalhamos chamamos doentes, não utentes nem utilizadores. Ao contrário de um hospital privado, de uma loja ou de um balcão de atendimento, quem ali está, está por necessidade, não por escolha. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover. É chegada a altura.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

A meritocracia

A luta é antiga e, diga-se, em muitos casos justa. Os melhores aos melhores postos, renovação de cargos e promoção daqueles que melhores resultados mostram. Aparte alguns defeitos da posição quando extremada como tem sido (dificuldade de avaliação, recirculação das mesmas pessoas), a direita tinha, agora, chegada ao poder de fresco, a oportunidade de provar a todos do que falava. Aparentemente, a meritocracia é global e serve em qualquer molde. Se pegarmos em Assunção Cristas e avaliarmos o seu percurso, nem uma menção a nenhuma das áreas que dão nome à sua pasta. Nenhuma experiência de campo, nenhuma experiência académica, nenhuma experiência na consertação social nestas áreas. Em nenhuma área que não a justiça - e, ainda aí, o mérito seria mais que discutível - Assunção Cristas faria sentido neste governo. É especialmente relevante quando a área em questão recebe uma grande percentagem das verbas orçamentais, inclui a área onde o CDS se tornou mais visível (agricultura), a área onde a presidência da república mais tem incidido a sua preocupação em vários discursos (mar) e uma da áreas onde mais peso político é conveniente para saber jogar o jogo de interesses correspondente (ordenamento do território). A meritocracia é partidária, não governativa nem curricular.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

O novo memorando de entendimento

Enquanto se critica a abstenção e se discutem novos meios de trazer novos eleitorados a votar, PSD e CDS assinaram hoje o acordo que, pouco provavelmente, governará o país nos próximos quatro anos. Sobre este, a primeira análise é sobre a linguagem politica. Ramalho Eanes lembra, e com razão, o imperativo de não esquecer que a sociedade tem de se mobilizar. Entretanto, no acordo de entendimento entre o duo vencedor, entre as alíneas que mostram o rumo que desejam que tomemos e outras que adivinham o rumo que tomaremos, a linguagem é de um vazio total que a ninguém interessa.
Um exemplo, sobre a justiça. "h. Reformar a justiça, tendo em vista a obtenção de decisões mais rápidas e com qualidade, tornando-a num estímulo ao desenvolvimento económico e ao investimento. Será prioridade do próximo Governo a recuperação da credibilidade, eficácia e responsabilização do sistema judicial e o combate à corrupção". Como não concordar com isto? É um texto coerente, após uma debate político onde o foco era a frase que abria o noticiário e a divergência era, para a maioria, de forma, não de conteúdo. Não conheço nenhum partido que não subscrevesse tal afirmação. Enquanto a linguagem política for escrita no vazio, nenhum debate sobre a abstenção será possível. Concordamos todos com este acordo, bem vistas a coisas. É na forma de o atingir que divergiremos. Um ponto para George Orwell.

A lição de Nobre

Quem vai para a cama com todos, não casa com ninguém.