sexta-feira, 24 de junho de 2011

Por uma visão não economicista da saúde (ou o problema de Paulo Macedo) - I

Há algo de ingrato em comentar um ministro antes do seu trabalho ser notório - para o ministro, bem entendido, porque para quem comenta é habitual, fácil e dá geralmente bom resultado porque não pode ser contraposto. Posta a autocrítica, há escolhas que não devem passar impunes, pelo que representam, quer como símbolo quer como risco - e se um vôo em económica pode ser um bom sinal, um ministro mal escolhido certamente também o pode. Os problemas com Paulo Macedo são de várias ordens. Do pessoal para o simbólico. Do bastonário da ordem dos médicos já se conhece a posição de que esperava um médico. Corporativismos à parte, a diferença entre a escolha real e a hipotética é de grande importância. Naquele recai aquilo que entendemos como SNS. A escolha de Paulo Macedo é a negação do que deve ser um serviço de saúde e o contraponto a como este deve funcionar.
Primeiro ponto: não há, neste momento, nem uma pessoa a trabalhar para o SNS que não se depare com restrições, preocupações (pessoais e impostas) e burocracias economicistas cujo único propósito é o de poupar/evitar gastos excessivos. Segundo ponto: todas essas pessoas, apesar de verem o seu trabalho afectado, concordam com isso. Porque encontram desperdício no recurso que proporcionam, porque entendem a situação particular que vivemos e, à sua forma, percebem a contribuição que lhes é esperada. A de reduzir o desperdício na saúde e incentivar a boa prática médica com o mínimo gasto possível. Terceiro ponto, e talvez o mais importante: a saúde, pelo menos como a entende o SNS e as pessoas que nele trabalham, não serve, nunca serviu e nunca deverá servir para dar lucro. Que se reduza o desperdício e corte no excesso não é senão um princípio básico do bom-senso e da boa prática médica. Mas que fique bem claro: o SNS serve para gastar dinheiro. E dinheiro bem gasto. Muito resumidamente porque, como sociedade, entendemos que o assegurar de um recurso de saúde à população é dos elementos mais primários que deve constituir essa mesma sociedade. A saúde universal tendencialmente gratuita para todos não é um luxo ou um desperdício, mas um bem essencial e primário.
O problema da escolha de Paulo Macedo é a inversão da preocupação primária do doente para o custo do tratamento do doente. A escolha vem com o seu currículo (entre outros aspectos que o mesmo currículo, infelizmente traz - ou não traz). Tudo parece fácil de argumentar entre meios não técnicos ou com o espalhafato televisivo - quer seja numa curta notícia de 4o segundos ou num debate televisivo entre politicos. Mas quando o imperativo recair, como já recai, sobre a escolha do médico, é a sua principal preocupação que deve estar bem focada. Porque aceitar realizar um exame mais barato em troca de um mais caro (mesmo que o mais caro seja o mais indicado) ou aceitar que para o mesmo tempo de consulta sejam inseridos mais doentes (mesmo que o tempo por doente diminua e, consequentemente, também a capacidade de o avaliar) são números que assentam bem num relatório mas não com o melhor tratamento do doente.
É por isto que é importante que as coisas sejam chamadas pelos nomes. Às pessoas para quem trabalhamos chamamos doentes, não utentes nem utilizadores. Ao contrário de um hospital privado, de uma loja ou de um balcão de atendimento, quem ali está, está por necessidade, não por escolha. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover. É chegada a altura.

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