sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Movimento na Estação da Baixa-Chiado



Há muito tempo que em Portugal se encontra firmemente enraízado um tipo de argumento provinciano, e simultaneamente evidência do nosso atraso, que consiste na comparação com o estrangeiro. Dizemos que é assim na França, em Inglaterra, nos E.U.A., na Alemanha, raramente com fins críticos, mas antes como invocação de uma autoridade: lá fora é assim, portanto cá devemos fazer o mesmo.

A mesma atitude saloia está presente na ambição apenas aparentemente inversa: a ânsia da inovação. Também aqui a pressão nasce não da necessidade, que aguçaria o engenho, mas do sentimento de menoridade, que nos empurra para o pioneirismo, o mecanismo que gera o progresso no estrangeiro.

O acordo entre a Metro de Lisboa e a PT revela precisamente a realidade desse argumentário: eis uma "inovação", um projecto pioneiro, que torna de facto privada uma estação que é pública, que esfrangalha a relação com a toponímia da cidade, que diminui a Língua Portuguesa, que, com os seus néons e símbolos, projecções de vídeo e hipotéticas demonstrações de produto, descoroaça uma arquitectura superior, que, enfim, abre o caminho a todo o tipo de capitulação futuro do público perante o privado.

Depois desta decisão, está criado o precedente que não deixará qualquer espaço ou instituição públicas a salvo de uma futura intervenção da mesma natureza. Amanhã outra estação, depois uma avenida, a seu tempo uma câmara, uma assembleia, a própria República.

Que movimento de maior amplitude se pode entrever? O de uma organização económica que, pelos suas premissas e resultados e também pela sua retórica, tem transformado os Estados no regulador dos anseios liberais (europeus) e no moralizador dos anseios conservadores, através de orçamentos eternamente deficitários, suborçamentação intencional e ruinosas concessões ao sector privado; o de um modelo económico que permite estabelecer um subtil processo de transferência de recursos públicos para os privados, não para uma distribuição plenamente social-democrata, mas para uma concentrada nos grandes grupos económicos. É uma estrutura de âmbito mais vasto que a do pensamento económico que a gerou: é uma vontade que, por meio de teoria económica, tem como fim o colapso do poder político e a ligação do indivíduo a uma estrutura ideal e absoluta.

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