quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A Autobiografia de Nicolae Ceausescu



Uma autobiografia que é uma biografia, um filme construído quase exclusivamente pela selecção de cenas da vida pública e privada de Ceausescu, sem narração para além daquela que a montagem e sequência propõe, um documentário que é um não-documento: é, enfim, uma peça de ficção que, num arco de ascensão e queda tão querido dos historiadores que entulham as livrarias de metros de papel, mostra a ascensão de um ditador em plena Guerra Fria, a imposição e aceitação de uma ortodoxia, a adopção de rituais e métodos propagandísticos comuns aos regimes sino-soviéticos (mas também em boa medida, e como tão facilmente nos esquecemos disto, aos contemporâneos regimes ocidentais), a flexibilidade das grandes e das pequenas potências na tessitura dos equilíbrios políticos, económicos e militares (discursos de Nixon e de Charles de Gaulle na Roménia comunista, as visitas de Ceausescu aos países do Pacto de Varsóvia), a efabulação quanto ao progresso de uma nação por meio de uma retórica que Górgias tão bem manejaria, a transposição do doutrina marxista-leninista para um caleidoscópio de formas nacionais de comunismo real, mas, ainda e apesar do resto, as idiossincrasias de Ceausescu enquanto líder e as do regime comunista romeno enquanto subordinado de Ceausescu - o líder, não ele-próprio.

Quando nos aplicamos num desporto como amadores, raramente conseguimos evitar seguir certa ordem de instintos básicos. Saber isto talvez diminua a tarefa de compreender por que, num dos mais significativos excertos do filme, podemos ver Ceausescu, durante um jogo de vóleibol durante o qual ocupa a posição de passador, junto à rede, jamais esboçar qualquer tentativa de combinação com os seus companheiros, optando sempre por atacar a bola, devolvendo-a para o campo adversário. Certos espíritos, na voracidade de um jogo que apela ao instinto, recusam sempre colectivizar-se.

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