terça-feira, 2 de agosto de 2011

Por uma visão não economicista da saúde (ou o problema de Paulo Macedo) - II

O problema desta visão sobre a saúde que nos querem impôr - quer com a falácia de que o SNS é um dos piores serviços públicos quer com a necessidade súbita de cortar nas despesas - é tanto um problema de conteúdo como de forma. O problema da forma é conhecido e há muito que os adágios populares avisam para o lobo vestido de cordeiro. Porque quando nos dizem que há que cortar subitamente na despesa e a todo o custo - e não há, reitero, nenhum profissional no SNS que o não saiba ou tente executar - ninguém menciona nem os tremendos lucros que alguns grupos privados tirarão disso nem as consequências a médio-longo prazo nos serviços médicos prestados aos portugueses. À conta da crise - que não foi certamente criada pelo SNS - vingou a noção de que é preciso reduzir custos, mas escamoteia-se o que, em medicina, não pode ser esquecido. A boa prática médica. A presunção do melhor tratamento do doente e do tratamento equitativo entre doentes. É por isso importante ter atenção quando se um ministro da saúde anuncia, por exemplo, que pretende dados mensais sobre o desempenho das instituições de saúde com base em indicadores como a qualidade assistencial medida pela demora média. Tudo parece bem na lógica mercantilista que lhe é conhecida e até como notícia de jornal, mas esquece o essencial. A ideia de que a qualidade assistencial é medida pelo tempo de espera leva à redução do tempo de assistência média. Ou seja, um médico que tinha 20 minutos para olhar para um doente, passa a ter 10. Como se um serviço de urgência, uma consulta ou um centro de saúde fossem uma qualquer instância burocrática, estabelece-se a ideia de que fazer mais é produzir mais e é trabalhar melhor. E tudo soa bem naqueles 20 ou 30 segundos que dura a notícia. Mas é importante lembrar que ver mais doentes não é ver melhor os doentes. Pelo contrário, um médico com menos tempo para atender o seu doente é alguém que não lhe vai poder prestar o melhor atendimento possível e a quem será mais fácil deixar passar algo na anamnese desse doente. O que é importante sabermos é que isto não é um problema de forma - eles falam bem e são convincentes. Isto é um problema de conteúdo - eles estão errados.

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