domingo, 7 de agosto de 2011

Tempos Perigosos

Há um argumentário eurocéptico que aqui e ali chega à superfície, emergindo pela porosidade de não ter que entender a vastidão dos fenómenos, constituindo na verdade um simulacro de ideia:

O problema não é económico, é político. E qual a natureza deste problema? É inter-nacional, internacional. Trata-se portanto de um problema de coordenação, depois de coesão, quem sabe de união, enfim de identidade. A realidade económica assegura uma pressão constante sobre as soluções políticas, de tal modo que ou se leva uma ideia ao fim ou mais vale nem iniciá-la. A bifurcação europeia não é seguir definitiva e irreversivelmente a via do federalismo ou não, mas sim federar-se ou desmembrar-se totalmente.

(Note-se que o problema poderia ser outro: como queremos viver. Mas o problema é, afinal, com quem queremos viver? Com a Europa ou sem ela?)

O problema não é político, é económico: a viabilidade da moeda única assenta em pressupostos teóricos nunca completamente cumpridos, e os fundos estruturais da UE falharam muito naturalmente em corrigir as assimetrias competitivas intra-europeias; a valorização do euro resulta do desempenho económico do centro europeu, e consequentemente dos seus padrões de especialização, do seu investimento e do seu consumo – sendo o mesmo euro que permite criar o jogo de espelhos entre a balança comercial excedentária alemã e a deficitária da periferia europeia; o débil crescimento económico da Europa e dos EUA dificilmente se alterará enquanto a China for bem sucedida em manter a sua moeda artificialmente desvalorizada.

O problema é económico-político: os factores económicos que tornam absolutamente atávico o Estado Previdência europeu, a impotência bélica que distingue a União Europeia da sua congénere americana, a falência de uma certa ideia de comum, a ressaca de um consenso europeu que foi desenhando instituições à revelia das democracias que organicamente se constituíram na Europa Ocidental, tudo concorre para este estado actual onde nações soberanas já o não são (aos poucos, o Mediterrâneo) e outras, sendo-o, destas são dependentes (o centro europeu).

A Europa escolhe renegar os instintos que lhe permitiram, mesmo que belicosamente, ir construindo uma sociedade que espirrou os seus mais distintos traços para todas as nações do mundo. E enquanto estas, conjugando o progresso europeu com os seus próprios caracteres, começavam a jogar o mesmo jogo no mundo, a Europa do pós-guerra abandonava uma certa ideia de si própria em favor da cultura americana, institucionalmente herdada no pós Segunda Guerra. Mas aquilo que, no imediato, parece uma bela ideia, pode resultar em rotundo fracasso quando transposto para um continente que, relembre-se, é cada vez mais velho e ignorante.

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