segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Ortodoxia

Uma notícia que pouco eco cá no protectorado mereceu: 70 alunos da disciplina de Economics 10, leccionada por Gregory Mankiw (um dos autores mais importantes no plano curricular da NOVA), abandonaram a aula poucos minutos após o seu início, numa acção planeada contra o que os aderentes consideram o enviesamento ideológico de uma disciplina introdutória fundamental. Atalhando, estes alegam que, de um curso para muitos obrigatório e que se pretende que constitua o primeiro passo tendo em vista o aprofundamento dos conhecimentos dentro da Ciência Económica, Mankiw transforma-o numa disciplina que transmite teoria económica fortemente marcada por preceitos ideológicos (concretamente, e com as características americanas, o conservadorismo) ocultos sob a capa da não-ideologia, assente em premissas duvidosas ou mesmo falsas e, acima de tudo, responsável pelo crescimento da desigualdade de rendimentos registada nos últimos 40 anos.

Não é especialmente entusiasmante a ideia de um esboço de levantamento estudantil no coração das maiores universidades americanas, de cujos departamentos têm saído boa parte dos líderes de uma certa ortodoxia doutrinária que definitivamente retirou à Economia o que esta inevitavelmente tem de Política. E não o é devido à sua própria constituição: um movimento minoritário de estudantes ainda nos primórdios da sua formação teórica resultaria há umas decadas atrás, quando a regurgitação que o "bom-senso" bovino da maioria impõe era muito lenta, quer em velocidade quer em alcance; e isto porque a descomunal máquina dos meios de comunicação, hoje no essencial grosseiros sistemas de propaganda, simplesmente não existia. Qualquer movimento contemporâneo, mesmo que solidamente fundado em teoria nova e correspondendo ao espírito gregário de um grupo, embate inevitavelmente contra a parede do discurso homogeneizado e próximo da mecânica simples do senso-comum, morrendo quase à nascença, ou sobrevivendo em pequenos grupúsculos. Hoje, manobras de agitação de alunos frustrados e ainda carentes de uma ideologia vária não só falham em enfrentar verdadeiramente a muralha do "bom-senso" como, por via de uma certa estultícia, arriscam tornar-se aquela brisa que, chocando contra uma formação de ar maior, apenas a alimenta e volve mais violenta.

No passado, elites dominantes - e a visão do mundo que rebocam - podiam ser substituídas por movimentos ascensórios de jovens irreverentes, apoiados em massas mais ou menos ignorantes em busca de ganhos colectivos. Hoje, a insolência da juventude integrada nas mesmas estruturas cujas fundações critica dá apenas um ar de riqueza e pluralidade a certos meios académicos fortemente (e dissimuladamente) ortodoxos. Apenas outros meios académicos, livres ainda dessa ocupação doutrinária, podem por a nu a ortodoxia científica de uma maioria.

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